Dalloway Day e as ondas de Reia
Flores, leituras e um filme para celebrar um clássico de Virginia Woolf
Poderia ter sido na quarta-feira passada, mas ficou para hoje aqui em Santos a comemoração do Dalloway Day, aquela quarta-feira de meados de junho em que Clarissa Dalloway “disse que compraria ela mesma as flores”, o célebre “era uma vez” de Mrs Dalloway, romance de Virginia Woolf centenário neste 2025.
Às 16 horas desta quarta-feira de meados de junho, Jeanice Ferreira e Chris Ritchie leem trechos do romance na floricultura Gardênia, no Super Centro Boqueirão. Além da abertura, combinaram de ler também a cena em que Clarissa chega à floricultura e passa a escolher as flores para a festa que dará à noite em sua casa e mais outras passagens da obra.
Um pouco mais tarde, às 18 horas, Jeanice e Chris falam sobre o livro na Realejo Livros, no Gonzaga.
E a programação continua na sexta-feira (20) com a exibição do filme As horas (2002) na Cinemateca de Santos, com entrada gratuita. O filme, baseado no romance de Michael Cunnigham, é dirigido por Stephen Daldry e traz no elenco Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman como Virginia Woolf, papel que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz.
E no sábado (21), as duas voltam a conversar sobre o romance em um evento na Igreja Anglicana de Santos, a partir das 17 horas, com chá das 5, ambientação, palestra, leitura & conversa e oficina de escrita. As atrações foram pensadas para gradualmente conduzir os participantes ao passado, criando uma atmosfera semelhante ao local e época em que o livro foi escrito (Londres, 1925).

O convite individual sai por R$ 80,00; estudantes pagam meia (R$ 40,00) e convites para duas pessoas ficam com 20% de desconto (R$ 128,00). Metade da arrecadação será destinada às obras de preservação do conjunto arquitetônico da Igreja Anglicana, tombado em 2015 pelo Condepasa. Ingressos, informações sobre o evento e curiosidades sobre Virginia Woolf e sua obra no perfil @dalloway.day no Instagram.
Fluidez
Tenho enorme simpatia pela imprecisão dessa quarta-feira de meados de junho. É hoje, mas poderia ter sido na semana passada, ou foi na semana passada, mas pode ser hoje. Assim a cada ano. Uma imprecisão tributária da fluidez que é signo da própria escrita de Woolf, uma fluidez que se desenvolve no Mrs Dalloway e já um pouco antes em O quarto de Jacob (1922) e que chega ao estado de obra-prima em Ao farol (1927) e cujo testamento literário é o As Ondas (1931). Foi da tradutora Denise Bottmann que li que é o próprio ondular, como se as frases viessem em ondas, a principal característica de sua escrita. É assim o próprio Dalloway Day, em vagas a cada junho.
Gosto de contrapor o fluido Dalloway Day ao fixo 16 de junho do Bloomsday, o dia em que se passa a história do Ulisses (1922) de James Joyce, de uma inventividade rígida, de pulmões secos e neologismos másculos, um livro feito de encaixes enquanto a escrita de Woolf é feita de inundações.
Ainda que haja homens fluidos e mulheres rígidas, não podemos fugir em nossa cultura dessa dicotomia sobre a qual trata Anne Carson em seu Ensaio sobre a fenomenologia da poluição feminina na antiguidade, no qual lembra da tábua de Opostos de Pitágoras que dispõe “limite” do mesmo lado que “masculino” em oposição a “sem limites” e “feminino”.
Carson trata de como essa essência de liquidez vital é vista pela cosmovisão dos gregos antigos como uma ameaça à masculinidade:
Unida ao mundo dos elementos por uma liquidez vital, a mulher tem acesso aos inesgotáveis reservatórios de potência reprodutiva da natureza. O homem, por sua vez, usa de ideias e garras para se manter apartado desse mundos de promiscuidade das plantas, dos animais e das mulheres.
Anne Carson
Virginia Woolf — assim como outras escritoras e um ou outro escritor (penso no Roberto Bolaño, mas isso desenvolvo em outro dia) — deixou em seus livros um pensamento e uma forma literária que embaralha a tábua e os valores dos antigos. Como lembra Carson, que em outro ensaio põe lado a lado Woolf e Tucídides, o nome da deusa-mãe Reia é derivado do verbo ρεἵν (fluir), termo do qual se faz a Literatura de Virginia Woolf, talvez a melhor do século XX.






Jeanice Ferreira é arte educadora de teatro e dança, bailarina intérprete-criadora, diretora e preparadora corporal para teatro. Sua produção como artista visual inclui desenho, fotografia, cologravura e colagens.
Virginia Woolf primeiro a encantou com Orlando e um livro de contos, entre os quais se apaixonou por Um vestido Novo e, por ele inspirada, começou a pesquisar sobre moda e literatura, criando o projeto Vestidos para Virginia.
Assim nasceu em 2020 o fanzine Adeline Zine, 100% artesanal e com tiragem numerada (à venda no dia). Também em homenagem à escritora, realizou em 2023 o primeiro Dalloway Day em Santos e desde então o evento vem crescendo.
Chris Ritchie é escritora, poeta, editora, professora, tradutora e criadora de projetos culturais, apaixonada por livros, literatura e arte.
Estudou Virginia Woolf na FFLCH-USP, onde também concluiu o Mestrado em Poesia de Língua Inglesa. Na FE-USP obteve a Licenciatura e na International House de Londres o Diploma em Gestão Educacional.
Na Casa das Rosas participou do CLIPE e da Cooperativa da Invenção Expandida. Antes de fundar a Ritchie & CO., trabalhou em escola, onde criava eventos culturais abertos ao público.