Raphael Morone começou como artista gráfico. Admirava os cartazes soviéticos (era um amor às formas geométricas mais do que vinculação ideológica). Em seus primeiros trabalhos no Coletivo Action nota-se já uma reflexão sobre sua cidade, uma ode à amizade e a atenção à música, um manifesto de trilha sonora meio eco de O jogo da amarelinha. Amava o futebol e conheceu Montevidéu. Buscava identidade, mas sempre meio deslocado — talvez antes, talvez depois — das modas do pertencimento.
Nas desolações santistas imaginou “o valor e as sombras”, como escreveu Roberto Bolaño, e, em algum momento, pensou em partir. Um cartaz do final desse momento perguntava exatamente isso, se não era melhor partir. E ele partiu. Não creio que tenha se equivocado. Não havia muito mesmo o que fazer na ilha que é Santos.






O porto de Raphael e de Roldão
Os cartazes de Raphael, com esses efeitos de envelhecimentos e espírito de nostalgia e contemplação, causam em mim os mesmos sentimentos que me tomam ao ler o poema Porto, de Roldão Mendes Rosa.
PORTO
Por que
este amor ao cais
se o que quero
não viaja?
Por que esta espera
no cais?
Por que
este amor aos navios
que apitam e partem
se não quero
partir em nenhum?
Eu descendente de adeuses
vejo lenços que acenam
na paisagem sem lenços.
Ou este porto
pouso de âncoras
timidamente se disfarça
no homem que sou?
Raphael Morone acaba eventualmente mudando-se para Belo Horizonte, onde publica no finalzinho de 2021 Pãozin de Cará: entre o porto e as montanhas, um livro de poemas e desenhos para o qual escrevi o prefácio de onde tirei os dois parágrafos da abertura. E o clima segue o mesmo, um exílio poético, algumas comparações entre aqui e lá e, melhor que exílio, uma errância, um desacerto que é também seu antídoto e seu valor. O símbolo desse livro é o escafandrista.
Nas reminiscências sobre Santos, as conversas com o avô ecoam histórias de bucaneiros em alguma ilha do tesouro, talvez amplificadas pela incontornável paisagem portuária dali da Ponta da Praia. É bela e melancólica a imagem do astronauta que acaba afastando-se do avô ao longo da adolescência.
Ecoam aí os versos finais de Cais do Paquetá, de Rui Ribeiro Couto: “... Menino do cais do porto, / A tua mercadoria / Eram vozes do avô morto / Que de volta lá se via”. Não se parecem a barquinhos de papel as embarcações dos cartazes de Morone?
A infância é um planeta que deixamos para trás.
Estante
Roldão Mendes Rosa. Poemas do não e da noite. São Paulo / Santos: Editora Hucitec e Secretaria de Cultura, 1992.
Raphael Morone. Pãozin de Cará - Entre o porto e as montanhas. Belo Horizonte: Margem Edições, 2021.
Lindo...
Gostei demais do poema.